23.11.08

Mãos de Borracha

Humor e erotismo no futuro.
Texto e arte por Maria Helena Bandeira

Mãos de Borracha levantou-se de seu esquife prateado, atendendo ao chamado do Mestre. Sua cliente da Nova Esplanada estava marcada para aquela tarde. Uma mulher estranha. Mãos de borracha não fora criado para julgar. Sua função era bem específica.

O Mestre lhe deu as coordenadas exatas, embora ele conhecesse o endereço - no bairro dos Novos-Ricos, rua dos Corruptos. Ignorava porque recebera este nome, já fazia muito tempo e Mãos de Borracha fora criado na época da Salvação, quando tudo se tornara informatizado e não havia mais como roubar, ou o que roubar, exceto tecnologia limpa. Mas era muito difícil burlar a hacker-segurança.

Ativando seu discriminador, subiu verticalmente acima dos prédios flutuantes e continuou sob as nuvens calmas, até avistar a Esplanada.

A mansão estava aberta a sua espera. Na sala uma jovem mulher nua e preparada. Mão de Borracha sentiu uma espécie de felicidade percorrer seus circuitos. Tinha orgulho do seu dom.

Dirigindo-se para a prancha onde a jovem aguardava, começou suavemente a massagear os pés. A técnica de Info Do In que usava era essencial para o relaxamento dos estressados membros da elite. Especialmente jovens esposas de executivos que manipulavam as complexas estruturas alimentadoras do Sistema. Desde que as mulheres voltaram ao Lar, não conseguiam se adaptar sem relaxamento especial. E Mãos era o mais solicitado dos massagistas.

Passou para as pernas e tocou os pontos delicadamente, conseguindo um profundo repouso.

De repente, suas mãos flexíveis começaram a se comportar estranhamente. Deixaram a conhecida massagem, passando a um ritual erótico de manipulação, toques estratégicos que faziam gemer a jovem senhora em um estado perigoso de excitação. Apavorado, perplexo, Mãos tentava controlar seus membros lascivos mas não conseguia. Enquanto, aterrorizado, inutilmente buscava se conter, aqueles dedos libidinosos continuavam sua caminhada pelo corpo nu e a paciente, cada vez mais enlouquecida, retorcia-se de gozo na prancha.

Finalmente a mulher parou, arquejante e as mãos repousaram.
Ela se levantou, olhos quebrados, pagou os créditos devidos e saiu.
Mãos de Borracha fiou parado, destruído, incapaz de raciocinar sobre o que acontecera, como seu programa fora invadido de forma tão perniciosa.

Na central de atendimento, o Mestre recebeu a ligação esperada:

- Funcionou perfeitamente. Podemos explorar o protótipo.

O massagista voltou para seu esquife. Colocou as mãos de borracha no desmaterializador de lixo e aguardou até que nada mais restasse de suas fibras enganadores.

Depois juntou os tocos dos braços sobre a barriga e dormiu dez anos.

Na Idade da Inocência, finalmente, foi reutilizado e programado pra ser cabeleireiro maquiador.

7 comentários:

Tom Torres disse...

Tu és terrible. Essa de virar cabeleireiro é ótima.
Beijos,
Tom

Romeu Martins disse...

Valeu o comentário, Tom.

Ludimila Hashi disse...

Homenagem a Edward Mãos de Tesoura, né?

Helena disse...

Ludi,

Não foi consciente, mas tem a ver mesmo. Eu adoro o Edward: como o Mãos de Borracha ele representa a consciência que não se dobra, a inocência apedrejada pelos zumbis do estabelecido.

beijão,

merrel

Helena disse...

Tom Mix,

hehehe coitado do Mãos, ele é um inocente no meio dos lobos.

brigadão por ler e comentar,

merrel

Ludimila Hashi disse...

Mhel, e o corte que você fez da (muito significativa) imagem dá mesmo a impressão de serem mãos de borracha.
Adorei essa explicação da consciência que não se dobra... O Edward é fofo mesmo, com aquelas mãos exageradas.

Romeu Martins disse...

Cortei o comentário duplo, Ludi :)

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